“A única luta que se perde é a que se abandona”

Hebe Bonafini, Madres de la Plaza de Mayo

06 agosto 2009

PEDIDO DE SOLIDARIEDADE

A Vila Itororó, comunidade localizada no centro de São Paulo, há algum tempo vem atraindo a atenção dos setores público e privado por conta de sua localização beneficiada e de sua rica estrutura arquitetônica. Em 2006, o Estado de São Paulo decretou a utilidade pública da Vila, ensejando um processo de desapropriação (nº 134155-9/07, distribuído na 1ª Vara da Fazenda Pública) contra a Fundação Leonor de Barros Carvalho, proprietária que abandonou o imóvel em 1997. Desde o abandono, os moradores, que antes pagavam aluguel à Fundação, zelam sozinhos pelo espaço relegado pela instituição e pelo Poder Público. Cabe salientar que, com a desapropriação, o estado pretende construir um centro cultural de requinte, cujo público alvo não contempla os atuais moradores da comunidade, sendo, portanto, parte de sua política urbana excludente.

Após contato no Fórum Centro Vivo (organização que articula movimentos sociais no centro de São Paulo), o SAJU-USP aproximou-se dos moradores da Vila, passando, entre outras atividades, a auxiliá-los juridicamente. Em 2008, entramos com um pedido declaratório de Usucapião Especial Urbano (nº 136490-1/08, distribuída na 2ª Vara de Registros Públicos da Capital), a fim de garantir a permanência dos moradores na Vila. Neste processo, foi negado o pedido de liminar de suspensão da desapropriação enquanto não houvesse a declaração da ação de usucapião, conforme estabelece o artigo 11 do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01). Isso ocorreu porque a juíza do caso entende que posse e propriedade são institutos diferentes, logo a interrupção da posse no processo de desapropriação não iria interferir no possível reconhecimento do direito de propriedade a partir da declaração da Usucapião.

Em 04 de agosto de 2009, o juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública concedeu a liminar da imissão na posse, após a Prefeitura ter depositado em juízo o valor indicado pelo laudo pericial como aquele correspondente à indenização à Fundação Leonor de Barros Carvalho. Nesse sentido, os moradores estão na iminência do despejo, sem que tenha sido assegurado qualquer garantia de moradia e sem que o Poder Público tenha aberto qualquer tipo de diálogo com a comunidade.

Como acreditamos que a Vila é um exemplo da política urbana excludente adotada, uma vez que o projeto da Prefeitura visa à criação de um centro de entretenimento no espaço, entendemos que esta é uma luta que deve ser articulada com todos os movimentos e setores progressistas da sociedade que agregam na luta pelo direito à moradia digna. Em razão deste contexto crítico, o SAJU, juntamente com os moradores, está buscando construir uma articulação política a fim de divulgar tal situação a diversos setores da sociedade. Nesse sentido, enviamos esse pedido de solidariedade para com as 70 famílias que hoje moram na Vila Itororó, que precisam, mais do que nunca, do apoio de todos e todas. Pedimos também a colaboração de vocês com a divulgação dessa situação de urgência.

Aproveitamos para convidá-lo/a a participar da Feijoada organizada pela AMA-Vila (Associação de Moradores e Amigos da Vila Itororó), que será realizada no dia 22 de agosto, como forma de arrecadar fundos para o movimento dos moradores, bem como aglutinar apoiadores.


SAJU/USP


AMA-Vila
amavilaitororo@yahoo.com.br
(11) 6504-2565 (Antônia)

05 agosto 2009

"Vila Itororó precisa de uma solução completa: moradia adequada e preservação da história e da cultura locais", por Raquel Rolnik

As famílias que moram na Vila Itororó, no bairro da Bela Vista, em São Paulo, correm o risco de serem despejadas a qualquer momento. Nesta terça-feira, 4, uma liminar judicial autorizou sua remoção. A Prefeitura está movendo um processo de desapropriação da vila para transformá-la em um centro cultural.

A Vila Itororó foi construída na década de 1920, pelo mestre de obras português Francisco de Castro, e tem grande valor histórico para cidade. Lá foi erguida a primeira residência particular com piscina em São Paulo. Na década de 90, o imóvel foi tombado e a fundação que era a proprietária abandonou o local. Os moradores, que pagavam aluguel para essa fundação, começaram a cuidar coletivamente do espaço.

A comunidade, preocupada com a ação de desapropriação da Prefeitura e sem ter para onde ir, entrou na Justiça pedindo a usucapião do local. Para isso, contaram com o apoio do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária, dos alunos da Faculdade de Direito da USP (SAJU). Porém, nesta terça, uma liminar da 1ª Vara da Fazenda Pública autorizou a remoção das famílias, sem oferecer uma alternativa que garanta o direito à moradia dessas pessoas.

Em 2006, a Prefeitura chegou a cadastrar as famílias e sugeriu o Programa Carta de Crédito, da CDHU, que financia a aquisição de imóveis prontos com valores entre 20 e 40 mil reais. No entanto, os moradores dizem que apenas cinco das 71 famílias tinham renda suficiente para cumprir os requisitos desse programa.

A Vila Itororó está caindo aos pedaços e deve ser restaurada, com urgência. Mas dois pontos devem ser considerados nesse processo. O local é hoje um dos focos da vida cultural do Bixiga e isso precisa ser preservado. É fundamental que a atual riqueza cultural da vila seja levada em conta em qualquer projeto para aquele espaço.

E, antes que qualquer remoção seja levada a cabo pelo poder público, é imprescindível equacionar o destino dessas famílias. Elas devem ter assegurado seu direito à moradia. E isso não significa colocá-las em abrigos, mas garantir moradias adequadas, de preferência na própria região. Quanto mais diálogo e participação houver nesse processo, melhor será o resultado.

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fonte: Blog da Raquel Rolnik

http://raquelrolnik.wordpress.com

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02 agosto 2009

AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS NA VILA ITORORÓ, por Celso Fernandes Campilongo

Fonte: O Estado de São Paulo, Quarta-Feira, 12 de Agosto de 2009


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A Vila Itororó, patrimônio de São Paulo, tem inegáveis atributos artísticos, culturais, históricos e paisagísticos. As casas formam conjunto digno de tutela e valorização. De outro lado, também é certo que a destinação da Vila Itororó sempre foi residencial. Mais de 70 famílias moram lá. Algumas ocupam o espaço há mais de 30 anos. Têm direitos adquiridos. Acreditam nisso. A partir dessa situação de fato, algumas perguntas poderiam ser levantadas.
O que vale mais: o patrimônio artístico-cultural ou o direito à moradia? A defesa de um desses valores excluiria o outro? Seria possível equilibrá-los de forma harmoniosa? Por trás dessas perguntas estão dilemas caros ao debate jurídico contemporâneo e angústias de moradores e juízes. Enfim, problemas teóricos e práticos de afirmação de direitos. As dificuldades de eficácia do direito na vila são retrato dos desafios da ordem jurídica no Brasil.
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Na verdade, os problemas legais da Vila Itororó se traduzem em duas ações judiciais: desapropriação, decorrente do decreto de utilidade pública do conjunto, e pedido de usucapião especial para garantir a permanência dos moradores nos imóveis. O usucapião não tem decisão. O processo de desapropriação, ao contrário, trouxe péssima notícia aos moradores: foi concedida liminar de imissão na posse. Além disso, pedido de reconsideração dessa decisão foi indeferido. Em resumo, os direitos dos moradores da vila estão ameaçadíssimos. A decisão equivale a despejá-los.
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A Prefeitura de São Paulo pretende construir um centro cultural no local. Os moradores estão desesperados com a proximidade do despejo e, pior, não têm garantias de habitações. A atividade do intérprete, nessas situações, é sempre árdua e complexa. Que princípios preservar? Surgem, inevitavelmente, paradoxos decorrentes da ponderação de valores e fins distintos ("justiça" x "eficiência"; "patrimônio artístico-cultural" x "moradia"; "público" x "privado"), mas também paradoxos constitutivos e inerentes aos próprios valores e fins prestigiados. O que fazer? Defender o patrimônio cultural da vila e, ao mesmo tempo, ofender a identidade e memória daqueles que dela cuidam? Valorizar bens materiais com a exclusão das formas de expressão, modos de viver e demais criações e tradições dos moradores? Ou, no plano do direito à moradia, prestigiá-lo e, ao mesmo tempo, facilitar a especulação imobiliária? Garantir a moradia para alguns ao custo da exclusão de outros?
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Os apelos à solução justa e ao resgate da ética, nas condições do mundo atual, apresentam-se como nobres e, infelizmente, na generalidade dos casos, estéreis. Como fundamentar decisões em princípios tão inconsistentes? Quais seriam as "razões últimas" das decisões? Os precedentes, a Constituição e as leis? A prevenção contra erros? Todos esses fatores catalisam a tomada de decisão. São informações repetidas que credenciam o direito a produzir informações novas. No caso, produzir decisões consistentes e adequadas.
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A Vila Itororó mostra que uma concepção integrada de justiça não pode depender de decisões isoladas. Porém, estão mais do que maduras as estruturas e repetições que permitem evitar os equívocos de se valorizar o patrimônio cultural contra o direito à moradia ou de fazer o oposto. Os dois objetivos são perfeitamente compatíveis, tanto do ponto de vista lógico quanto da perspectiva jurídica.Um dos grandes problemas do centro de São Paulo é justamente não possuir moradores. Fica deserto após o horário comercial. A ideia do centro cultural amplia o erro.
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Um dos grandes problemas do País é o déficit de oito milhões de moradias. Qual a contribuição da proposta da Prefeitura para a questão? Nenhuma. Por que não combinar as soluções? Basta, simplesmente, defender o patrimônio cultural, reconstruir e equipar a Vila Itororó, como deve ser feito, e, também, oferecer condições de habitabilidade ao conjunto urbano. Cultura e moradia não são valores antagônicos. É a vida urbana que fornece combustível para o mundo da cultura. O direito não pode ficar alheio e insensível a isso.
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Um grupo de estudantes de Direito da Universidade de São Paulo (USP) - na trilha das tradições que convém reafirmar nas proximidades do 11 de agosto - luta para afirmar os direitos em jogo na Vila Itororó. Procuram, com os moradores, "something to believe in", como diriam Stuart Scheingold e Austin Sarat, especialistas norte-americanos na advocacia de causas sociais, em livro com o mesmo título. Seria ótimo, para o País, se muitos outros, especialmente nos Três Poderes, também tivessem algo em que acreditar: na força do direito.
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Despejados de suas residências, dificilmente os moradores terão ânimo para pleitear direito à moradia ou indenizações justas. No texto de Kafka sobre o camponês diante das portas da lei, a timidez do postulante faz com que as portas antes abertas se fechem sem que o interessado sequer tente passar pelo espaço que lhe estava reservado. A lei ao alcance do povo se transforma em surpreendente obstáculo à justiça. Na vila ocorre o inverso: os moradores batem forte, mas respeitosamente, nas portas da lei. Querem entrar em suas próprias casas e gozar de seus direitos. Mas são as portas da lei que permanecem fechadas diante de quem crê no clamor das batidas. Kafkiano. Mais kafkiano do que qualquer guardião das portas da lei imaginária.
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A municipalidade e a magistratura ofereceriam contribuição à cidadania e ao respeito aos direitos se olhassem o patrimônio cultural e o direito à moradia digna como elementos complementares. A Vila Itororó reclama afirmação dos direitos. O despejo dos moradores representa sua negação. Aquelas casas pedem que as pessoas entrem. Pelas portas da lei!
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Celso Fernandes Campilongo é professor das Faculdades de Direito da USP e da PUC-SP
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MENSAGEM DE APOIO: Deputado Paulo Teixeira

"Preservar a história de uma cidade é muito mais que manter seus prédios históricos em boas condições de conservação. É preservar a dignidade das pessoas. É respeitar a identidade de quem construiu e quem vive nesses locais. A intenção da prefeitura de preservar a Vila Itororó seria altamente louvável. Digo seria porque não consigo aceitar que para criar um espaço histórica e culturalmente preservado seja decente desalojar quem passou a vida lutando para que suas casas se mantivessem de pé. A Vila é linda e tem um valor histórico inestimável. As pessoas que lá vivem também. E elas merecem respeito. Elas é que fazem a Vila ser o que é."

[mensagem do deputado Paulo Teixeira, recebida por email em 10/08/2009]